Quantos guarda-chuvas você já perdeu?
Será que eles fugiram por vontade própria? Será que existe um
quilombo de guarda-chuvas livres? Será que existe um sequestrador especialista
em rapto de guarda-chuvas? Será que existe um buraco negro, que ao invés de
reter luz, aprisiona os guarda-chuvas? Será que existe um universo paralelo
onde as Senhoras e Senhores guarda-chuvas perdem os seus humanos?
Não apenas pelo formato aramado, mas também pelas histórias
que ele encoberta, o guarda-chuva é um objeto curioso. Estudos arqueológicos
apontam que ele surgiu há 3.400 anos. Precisamente na Mesopotâmia, região onde
raramente chove, e talvez por isso, inventaram um artefato que fosse capaz de
guardá-la.
Quantas gotas de vida um guarda-chuva é capaz de guardar?
A hiperativa criança que brinca na tempestade e vê o
guarda-chuva como sua arma mais potente, com mira de visão noturna, sensores
que alertam quando o perigo se aproxima e capaz de atingir inimigos a uma
distância quilométrica.
O supersticioso senhor de idade que no momento em que as
cortinas do céu se abrem e a chuva dá um sossego utiliza seu guarda-chuva como
uma elegante bengala. Até que a dor em seu joelho volte a lhe atormentar,
avisando a chegada da próxima tormenta.
O atencioso guarda-costas que segura o guarda-chuva para
proteger o seu cliente dos projéteis que caem furiosamente do céu, abrindo mão
da cobertura do seu meio homônimo para ficar todo encharcado. Ócios do ofício.
A aprazível donzela que parada no ponto de ônibus utiliza seu
guarda-chuva como um escudo contra a insalubre água da poça, por onde os veículos
da rua insistem em passar, sem piedade. A diversão das pessoas secas é deixar a
outra molhada.
O metódico colecionador que dedica o maior cômodo de sua
pequena e entulhada casa, para armazenar, catalogar e expor seu xodó, a coleção
de guarda-chuvas de diferentes modelos, diversas cores e displicentes donos.
Como diriam os espanhóis, achado não é roubado.
O astuto morador de rua que ao sentir o primeiro pingo de
chuva corre para posicionar o seu guarda-chuva do lado avesso, para que assim
consiga armazenar a maior quantidade possível da verdadeira água benta. Aquela
que vem direto do céu, sem pedágio.
O apaixonado casal que sem perceber, é unido pela primeira
vez sob a proteção do guarda-chuva, e agora passeiam abraçados pela calçada,
criando assim o clima muito aguardado por ambos, para o então primeiro beijo.
O sombrio assassino que com seu discreto guarda-chuva
persegue sua próxima vítima. Ele já conhece a sua rotina, sabe que ao sair da
banca de jornal ela atravessar a rua, e é neste exato momento que ele mira,
acerta o alvo e depois some no meio da multidão.
A desolada viúva que no enterro do seu amado, embaixo de um
antigo guarda-chuva, encontra na tempestade que cai, um companheiro para o seu
pranto: o tempo.
Um objeto que deixa o seu dono de cabeça quente e pés frios.
O guarda-chuva é um símbolo da contradição.